A faca e a máquina do tempo

A minha infância foi marcada de forma um tanto exagerada por um modelo especial de faca, a faca de mesa do jogo da vovó. É claro que mais tarde tinha faca comprida e a faca redonda da mãe, mas este é outro assunto, pois entras eu não sei onde foram parar. Mas a faca de mesa que marcou meus primeiros anos como no caso do escorpião ou do marmelo, finalmente veio parar em minhas mãos, já bem judiada e com o cabo caindo. Ah! O cabo que eu sempre pensava que era de prata maciça, era só uma casquinha cheia de uma resina farelenta. Como a faca significava muito para mim, resolvi recuperá-la e aí fui esquentar a resina para tirar de dentro do cabo e substituir por algo que pudesse fixar o cabo novamente. Então veio a surpresa… a faca era, na verdade, uma chave da máquina do tempo que me levou de volta ao início dos anos 70.

Faca de mesa recuperada. A chave.

Logo que comecei a esquentar o cabo a resina derreteu e um perfume intenso invadiu o ambiente. O cheiro do breu me levou a uma reunião na frente da oficina do tio Miro, aquela que queimou algum tempo depois. Um sujeito, recém chegado, apeara de um cavalo meio esbaforido e ofegante, estava com uma calça meio rasgada e quase chorando:
– Preciso falar com o Seu Borto.
Acho que foi o Osmar que o atendeu dizendo.
– Ele está lá em baixo montando uma pipa – e se virando pra mim – podes chamar ele?
Desci correndo chamando – Vovô! Vovô!
Ele saiu de dentro da pipa que estava picando com o enxó goivo para emparelhar por dentro. (Isso dá outra história). E respondeu com uma pergunta:
– O que foi?
– Tem um cara que quer falar com o senhor, tá ali na frente.
Quando chegamos já estavam com ele o tio Miro e mais alguns que não me lembro.
– O que aconteceu? – perguntou o vovô.
– Meu irmão caiu do telhado e se quebrou todo.
– E onde ele está?
– Tão trazendo ele de carroça eu vim na frente pra ver se o senhor podia atender ele senão temos que ir pra Palmeira.
– Você acha quer ele tem osso quebrado?
– Sim, a perna dele tá um esse. E tá todo esfolado.
O vovô olhou para ele, evidentemente apavorado e da forma que ele falou em ir para Palmeira dava a entender que não tinha condições econômicas de arcar com tratamento médico, (naquela época não tinha SUS) com a calma e bondade que lhe eram características disse:
– Vamos arrumar as coisas e ver o que se pode fazer por aqui.
O sujeito respirou aliviado e ficou por aí conversando com o grupo enquanto a carroça não chegava. O vovô saiu e fui com ele para ver os preparativos. Eu fiquei só olhando. Ele foi até o galpão onde tinha um taquaruçu seco cortou os gomos mais compridos e lascou em talas, alisou bem e arredondou as pontas, foi até a cozinha colocou tudo dentro de uma panela grande com um pouco de água da caldeira do fogão e pôs a ferver. Aí se dirigiu para o quartinho dos fundos onde, num armário, tinha roupas usadas. Pegou um lençol e foi rasgando em tiras, pegou um grande pacote de algodão e uma lata com umas pedras amareladas e voltou pra cozinha e me pediu que fosse abrindo o algodão em tiras. Eu não entendi nada do procedimento mas fui fazendo como ele mandou.
Tirou as talas da água fervente e testou a flexibilidade, secou e pôs no forninho do fogão. Em seguida tirou de lá e esfregou a pedra nas talas…

O mesmo cheiro da resina do cabo da faca… Era o breu que ele usava para grudar o algodão nas talas para ficarem macias, pois ficariam pelo menos 20 dias em contato com a pele. Revestiu as talas com algodão que ficaram bem fofinhas. Lembro como se fosse hoje, testei a maciez das talas, eram muito firmes com uma camada fofinha. Pôs algumas pedras de breu numa caneca para derreter, mas deixou na espera.
Pegou outro lençol velho e estendeu sobre a cama do quartinho.
– Estamos prontos!
Saímos e fomos ao encontro dos outros foi aí que alguém dos que tinham ficado conversando com o homem disse:
– Parece que o caso é sério, mandamos chamar o Gervásio para ajudar.
Não demorou e já vinha chegando a ambulância puxada a cavalo. O paciente gritava a cada solavanco. Foi carregado e largado na cama, quando eu vi que estava ensanguentado e esfolado dei no pé. O vovô perdeu o ajudante.
Só me aproximei de novo quando ela já estava com curativos e a perna devidamente entalada. O breu derretido era colocado nas ataduras externas para dar firmeza às talas, ficava quase como engessado com aquele cheiro característico do breu.

Assim a faca de mesa me levou novamente ao passado. Ela é muito mais que uma peça de museu, é na verdade uma chave para viajar no tempo.

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O ciclo da mandioca – parte 1

No finalzinho de abril sempre dava uma esfriada
Ai vinha o verãozinho lá por meados de maio
Era o tempo do trabalho, guardar rama de mandioca
Pra protege-las do inverno e da geada matadeira
Que não deixava viva nenhuma rama solteira
Das soltas no mandiocal.

Sempre que sinto algum friozinho aqui na cidade grande me lembro a velha Palmeira onde vivi minha infância. Lá tinha trabalho e graça, se brincava trabalhando, e um dos trabalhos bons era guardar rama de mandioca. Sempre que fazia frio representava um perigo pra vida das mandioqueiras. Só ficava viva a parte da rama enterrada, isso garantia que a mandioca brotaria no ano seguinte e as raízes continuariam a crescer. Mas se agente queria expandir o mandiocal ou plantar noutro lugar tinha que guardar as ramas para não morrerem da geada. Então, guardar ramas, e depois a cerimônia do plantio eram trabalhos que as crianças adoravam. Bem! Não sei se todas as crianças, mas para a nossa turma era tempo de diversão.

Talvez pela vizinhança pois nossas terras eram lindeiras, hoje não se usa mais esta expressão para dizer que faziam divisa. Na verdade as melhores lavouras de mandioca, de milho, de arroz e até um erval do tio Luís ficavam bem na frente de nossa casa. Então quando tinha estes trabalhos especializados, em geral, se reunia a turma lá de casa o Leo, o Leonildo e eu e lá do tio Luís o Selito, o Dimas e a Margarida, Vez por outra vinham também a Benildes e a Zélia, mas como elas eram maiores em geral trabalhavam e por isso ficavam fora do grupo.

O trabalho?? era muito simples, um adulto, ou um dos maiores, com um facão cortava as ramas mais ou menos uns seis dedos de altura, pra sobrar o toco para arrancar a mandioca, se fosse necessário, e ia fazendo feixes. A gente escolhia um pé de erva, não muito perto porque perdia a graça, e limpava o capim ao redor. Depois era só transformar cada um num caminhão de transporte e fazer uma estrada, uma para ir e outra para voltar. Brum brum, a gente dava o arranque no caminhão e o transporte começava. Cada um carregava quanto podia e íamos empilhando as ramas de pé ao lado da árvore vou toco escolhido. Quando a rama já estava toda empilhada, aí vinha outra parte muito divertida. A gente tinha que buscar capim e palha para fazer a cobertura, afinal as ramas tinham que estar protegidas da geada. Para isso servia capim rabo-de-burro, touceiras de macela secas, só que as vezes tinha uma lechiguana, bem, aí é outra história, um dia deste seu conto, e até mesmo grama seca. As ramas tinham que ficar perfeitamente cobertas e depois disso tinha que por alguma terra por cima pra que o vento não destapasse. Pronto! as ramas de mandioca para o novo plantio estavam garantidas, mas ainda tinha um resto de dia e a gente tinha que continuar em movimento senão morria de frio.

E pra não ficar parado o que é que a gente fazia
Na tarde que tinha sol mas mesmo assim era fria.
O brincar de esconde-esconde tinha um lugar ideal.
As ervas eram pequenas, uns dois metros ou pouco mais,
Tinha macela, capim e moitas de maria-mole.
Fumo bravo e algum timbó e até toca de tatú.
Pra gente de pé no chão capim seco, o paraíso
explicar não é preciso, o que é preciso é brincar.

O trabalho terminava cedo e sempre se podia aproveitar o resto da tarde par alguma atividade construtiva, como por exemplo aprender a elaborar regras e seguir. Então vamos lá: Primeiro tem que escolher a raia de ferrolho, o lugar onde aquele que fecha, o contador, esconde o rosto e conta por algum tempo enquanto os outros se escondem. Não vale espiar. Este é o lugar de segurança onde cada um tem que bater antes do contador e dizer “um, dois, três pra mim”, aí tá salvo. Se o contador achar alguém e bater “um, dois, três para o Fulano” aí tá morto. O primeiro morto é o que conta na próxima rodada. Vale se esconder em qualquer lugar, até em toca de tatú, mas o segredo é correr e bater no ferrolho num momento de distração do contador/procurador. Tinha até quem ficava quietinho atrás do contador e quando este se afastava do ferrolho para procurar, bastava dar um pulo e gritar: -Um, dois, três pra mim! Quando se usava um pé de erva como ferrolho tinha até quem subia discretamente na árvore e depois aproveitava um momento de distração do contador e pulava pra se salvar. Ah! O contador tinha que contar até cinquenta e dizer: – Lá vou eu! Quem não se escondeu é meu. Quando alguém não sabia contar além de dez contava – umdoistresquatrocincoseiseteoitonovedez dez, umdoistresquatrocincoseiseteoitonovedez vinte, umdoistresquatrocincoseiseteoitonovedez trinta, e assim até cinquenta e finalizava Lá vou eu! Quem não se escondeu é meu. E saía a cata dos outros participantes. Que ia matando ou iam se salvando até o último ser encontrado.

Dois problemas eram relativamente comuns nesta brincadeira: quando alguém se escondia numa macela que tinha uma lechiguana, aí era o fim da picada, ou melhor o começo da picada e o sujeito saia correndo sem observar nada e acabava morto. Ou quando tinha um formigueiro aí estava perdido, ou achado quando começava a gritar.

Depois disso tido resolvi fazer uma lista do que se aprendia com tudo isso.
1- Só os maiores podem usar o facão.
2- Cada um faz força de acordo com seu tamanho.
3- Tem que respeitar as regras de trânsito.
4- Tem que proteger as ramas para não morrerem de frio.
5- Palha voa com o vento, tem que ter peso sobre ela.
6- Brincar é divertido e esquenta.
7- Correr descalço no capim seco é bom.
8- Para brincar tem que saber contar.
9- Tem que observar as regras do jogo.
10- Lechiguana pica e dói.
11- Formiga e formigão picam e dá coceira.
12- Quando um adulto diz “hora de ir pra casa” se a gente não for aparecem uns riscos vermelhos doloridos nas pernas.

Eu era feliz e não sabia.

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Quem ri por último… (brincando de índio)

Desde o final de setembro até meados de março, quando o clima está quente, uma soneca após o almoço é sempre bem vinda. Mesmo porque com o calorão do sol a pino não é muito saudável trabalhar. Por isso nesta época do ano nossa vida tinha uma rotina diferenciada. A gente almoçava, tirava uma sesta, tomava chimarrão, tomava o chá das quatro e depois ia para a lavoura. Bem! Pelo menos era esta a rotina do pai, a nossa era um pouco diferente. Mas antes de falar dela devem ser esclarecidos alguns pontos.

Primeiro: tomar banho de barriga cheia dá congestão, é perigoso e pode matar, esta história é para mostrar como uma pessoa pode morrer ou quase por causa de um banho depois do almoço.
Segundo: enquanto os pais sesteiam as crianças ficam por aí, aos cuidados do anjo da guarda.
Terceiro: nem sempre os pais dormem enquanto dormem…
Quarto: pais são criativos, mas crianças saudáveis também são…

O horário do meio dia, no verão é bastante quente e um banho de rio é a melhor coisa para ativar o ânimo para ir trabalhar depois do chá das quatro, um costume inglês adotado pela família Trentin-Piovesan. A rotina de verão era mais ou menos assim: De manhã aula, almoço ao meio dia depois uma sesta, enquanto isso as crianças ficam por aí, depois cimarrão na sombra, conversa, o chá das quatro e ir para a lavoura, pois nesta hora o sol já está mais brando, trabalhar até uns quatro dedos de sol… e ir para casa tratar os porcos galinhas vacas, se lavar, ler um capitulo de um livro, jantar, rezar o terço e lavar a louça e finalmente dormir.

Vamos por partes, muita coisa vocês sabem mas algumas precisam de explicação. Certamente aula, almoço, sesta, cimarrão, sombra, conversa, o chá das quatro e lavoura todos sabem o que é. Vou começar pelos quatro dedos de sol, é uma forma de calcular a hora, assim, você estende o braço para o poente e dobra a mão em ângulo reto com os quatro dedos juntos e o polegar pra cima, se como dedo mínimo no horizonte você tapa o sol com o indicador da mão são quatro dedos de sol, se fosse com o dedo médio seriam três e assim por diante ate o dedo mínimo um dedo. Assim se calcula a hora e dá certo sempre e para todos porque quando se é criança e os dedos são menores o braço é mais curto, um sistema naturalmente automático.

Tratar os porcos galinhas e vacas fica melhor explicado na música “Dorme Isabela” uma composição minha, letra e música na voz do Ernesto Piovesan, da Luísa, que também fez o arranjo musical. Tenho que contar a história.

Quando a Isabela, da Leda, era pequena ficava o dia todo na minha casa e era muito apegada ao “tio Liliquinho fofinho”, eu, e sempre queria que eu cantasse para ela dormir. Eu ia cantando todas as cantigas de ninar que conhecia e sempre ela perguntava se eu já tinha cantado esta para outras crianças. Eu inocentemente respondia, esta eu cantava pra tia Lú, esta cantava pro tio Lade, ou esta eu cantava pra tua mãe ou ainda esta eu cantava pra Ana ela ouvia e adormecia. Tudo corria normalmente até que ela começou a cobrar se não tinha nenhuma que fosse só pra ela eu não tinha. Até que um dia, já de saco cheio resolvi dar fim ao problema, contei a história de nosso dia a dia de infância em forma de cantiga de ninar. Aí vai a letra:

Dorme Isabela
Cantiga de ninar gaúcha (marchinha)

(Clicando no nome poderão ouvir o arranjo com a voz do Ernesto.)

/: O sol se vai. A noite vem
Dorme Isabela, dorme meu bem. :/

1 –       Devagarinho a bicharada silencia.
A passarada se recolhe pros seus ninhos.
A criançada vai cessando a gritaria.
E pouco a pouco se achegando pro ranchinho.

/: O sol se vai. A noite vem
Dorme Isabela, dorme meu bem. :/

2 –       A Chaleira chia enquanto a mãe prepara o mate
O fogo arde no braseiro do fogão
Um piá resmunga e lá fora o cusco late
É o pai que chega com os bois no carretão.

/: O sol se vai. A noite vem
Dorme Isabela, dorme meu bem. :/

3 –       Depois a cuia vai passando mão em mão
Um livro conta história que nos encanta
No lusco fusco duma luz de lampião
Enquanto a mãe lá no fogão prepara a janta.

/: O sol se vai. A noite vem
Dorme Isabela, dorme meu bem. :/

4 –       Depois da janta a criançada se acomoda
Pra cerimonia de encerrar aquele dia
Ajoelhados, debruçados sobre os bancos.
Rezando o terço na hora da Ave Maria.

/: O sol se foi. E é noite já
Dorme Isabela, pra descansar. :/

Ai criei outro problema, a música era comprida e eu as vezes não tinha paciência para cantar toda e deixava alguma estrofe de fora, ela reclamava – faltou a do braseiro ou faltou a do terço – e eu me obrigava a cantar a musica completa que ela ouvia atentamente até o refrão “pra descansar” e dormia como se tivesse sido desligada.

Agora é que vem a verdadeira história é “crianças ficam por aí”. As crianças Léo, Liceo e Leonildo só esperavam a mãe terminar a louça e ir sestear para debandar rumo ao rio para um reconfortante banho depois do almoço. O poço preferido era o dos pinheiros ou o da cachoeirinha que ficava um pouco mais abaixo no meio do mato. O banho tinha que ser pelado senão o pai e a mãe poderiam ver as roupas molhadas, mas no meio do mato não tinha problema. Então, roupas pro chão e tchabum, lá iam os três para a água. um pouco antes da hora do pai e a mãe acordar, voltar para casa como uns anjinhos para eles não desconfiarem de nada. Eu acho que foram os cabelos molhados que nos traíram…

Um dia… naquele dia quando saímos do banho e subimos a barranca do rio não encontramos as roupas. Bem! Foi só juntar cré com lé que concluímos que tinha sido o pai que recolhera as roupas e não precisava ser gênio para saber que ele levara para casa e provavelmente estavam no nosso quarto. Começamos a montar uma estratégia para reaver as ditas roupas. Primeiro era preciso chegar na casa, bem isso não era muito difícil de fazer escondido, tinha uns duzentos metros de mato depois uns cinquenta metros de mandiocal, que estava com uns cinquenta centímetros de altura, dava pra ir rastejando, depois as bananeiras, o arvoredo e o terreiro. Para chegar no quarto tinha que atravessar a cozinha onde a mãe estava, o jeito era esperar que ela saísse pra horta. Ficamos escondidos atras das bananeiras a espera, só que aí aconteceu um fato complicador, a Dorva chegou pra visitar o padrinho e a madrinha. Lá ficaram ela e a mãe de conversa, a mãe na cozinha e e Dorva sentada no degrau. Explico: a divisão da sala pra cozinha era só um degrau, a cozinha era de chão batido e a sala de assoalho que ficava uns vinte centímetros mais alto e formava um degrau muito bom pra sentar.

Leo Liceo e Leonildo
Os três protagonistas na frente da casa com a mãe

A frente da casa com o “carreto” da pra distinguir bem a porta da frente, a janela da sala e a do quarto do pai e da mãe. A porta da cozinha ficava à direita na parede lateral. Pode-se ver ao fundo as árvores de erva-mate, as mais altas e as laranjeiras, as menores Atras das laranjeiras ficava o bananal onde nos escondemos.

Com a chegada da visita complicou a coisa, tínhamos que encontrar uma saída. A saída foi convencer o Leonildo a se vestir com uma tanga de folhas de bananeira, entrar discretamente na casa pegar as nossas roupas, pular a janela do nosso quarto, que ficava nos fundos, e trazer as roupas pra nós que ficamos esperando nas bananeiras. Confeccionada a tanga, o indiozinho se pôs em marcha, entrou discretamente na casa, mas para chegar no quarto tinha que passar na frente da Dorva, aí é que aconteceu a verdadeira história.

O menino todo pimpão, de tanga e sem camisa, entra na casa e a visita logo percebe o inusitado:
– Que lindinho, brincando de índio!
A mãe não diz nada porque já imagina o que aconteceu ela sabe que as roupas estão no quarto e o pai já foi pra roça. Ele nem estava aí pros apuros da piazada pelada. Mas a Dorva não se conteve.
– Que gracinha.
E pegou na tanga de bananeira. O menino se assustou e deu um pinote deixando a tanga na mão da afilhada. Foi aí que ela percebeu que ele estava nu e começou a rir sem parar daquele jeito que só ela sabe fazer. Quase morreu de rir, por isso eu disse que banho depois do almoço pode matar. Acho que está rindo até hoje.

O menino pegou as roupas dele e dos irmãos, pulou a janela, se vestiram e foram pra roça. Aí foi a vez do pai rir…

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A Trilha

Trilha é uma palavra que serve para muitas coisas. Na nossa infância era um jogo muito interessante que se jogava com nove grãos de milho e de feijão cada jogador. Mas também tinha o evento de trilhar o trigo ou o feijão com a trilhadeira e a primeira trilhadeira que conheci foi a de seu Pompílio Pereira, aquele do guardado, era uma Tigre com cano extrator de palha, que servia para afastar a palha do ponto de trilhagem, o que possibilitava ficar parado num lugar e trilhar muitos sacos de trigo. Para começar tenho que descrever o que era aquela maravilha da tecnologia, a trilhadeira.

Campos de trigo

Eu ficava encantado já antes da chegada da máquina. Na frente vinha aquele monstro mecânico cheio de polias engrenagens e correias puxado pela primeira junta de bois, logo atras vinha o motor numa carreta de duas rodas puxado por outra junta. Uns anos mais tarde virou moda pendurar o motor a reboque da trilhadeira o que exigia uma junta de bois muito boa, foi por isso que o pai vendeu o Bonito e o Cruzeiro, para puxar a trilhadeira do Rossetti. Voltemos a história original. A trilhadeira chegava e era estacionada próximo a pilha de feixes de trigo. Uma outra história é como era cortado, enfeixado e empilhado. Eu acompanhava tudo nos mínimos detalhes, primeiro o operador da máquina tirava um prumo que ficava numa caixinha do lado da trilhadeira e soltava ele livremente, ele tinha que apontar para uma ponta que tinha em baixo. Aí começava o processo de nivelamento. Em geral se cavocava do lado da roda que estivesse mais alta até ela cair, então se verificava o nível e se cavocava noutra até que o prumo e a agulha vertical ficassem perfeitamente alinhados. Aí era a vez do motor, a operação era mais simplificada, mas neste caso os buracos eram para segurar o carro do motor no lugar. Se colocava a correia e depois pendurava uns pesos no cabeçalho da carreta do motos para mantê-la espichada. Uma lona ou pano de eira era colocado debaixo da bica de saída do trigo, o cano extrator de palha apontado para o mais longe possível e os operadores a postos para começar o trabalho. O cevador subia numa plataforma perto da boca da máquina, para alcançar feixes sempre tinha uns dois auxiliares. Um piá ficava operando o cano para não deixar acumular muita palha no mesmo lugar. Duas latas de querosene eram colocadas na bica de saída, que eram duas, quando uma lata estivesse cheia o trigo era desviado para outra e a cheia despejada num saco para fazer a contagem, quatro latas por saco. Ao lado um costurador fechava a boca dos sacos para por na carroça.

O começo da operação era sempre rodar a manivela do motor para fazer pegar. algumas vezes um puxão na correia resolvia o problema do arranque e o motor começava o tup-tup. Acelerado o motor começava o jeque-jeque da trilhadeira que tinha sua força transmitida primeiramente para o cilindro que esmagava contra os pentes a palha para soltar os grãos. Aí tudo caia numa especie de cocho com dentes que arrastavam a palha para traz e deixavam os grãos rolarem para frente, por isso tinha que estar bem nivelada, os grãos e a palha fina caiam na peneira que tinha por baixo uma especie de ventilador que soprava as palhas para trás e deixava cair os grãos noutra peneira que por sua vez conduzia os grãos para a saída. Cada peneira ou dispositivo tinha sua frequência peculiar isso que tornava o jeque-jeque uma sinfonia maravilhosa. A palha e as cascas finas que eram enviada para traz da trilhadeira caiam num grande ventilador que soprava tudo cano afora indo cair num monte de palha. Depois desta trilhadeira vieram as sem cano que precisavam de um operador com forcado para retirar a palha pra longe.

Pensem comigo! O que poderia ser mais divertido para uma criança do que uma trilhagem? Um monte de gente reunida, uma máquina maravilhosamente barulhenta, o trigo sendo separado da palha e ensacado, brincar na palha depois… É claro que para manter o ritmo de trabalho de vez em quando circulava uma garrafa de purinha de boca em boca, e tinha que tomar no bico da garrafa porque não era viável copo em tais circunstâncias. Mas assim como a trilhadeira atraia as crianças a garrafa de canha atraia o velho Lora que nunca faltava a uma atividade destas nem que fosse para levar a garrafa pra lá e pra cá.

Vocês devem estar se perguntando porque esta história marcou minha infância. É que uma destas trilhagens aconteceu num dia que eu estava convalescendo. Nada de palavras difíceis, eu estava de cama e ainda com febre por conta de um prego que cravei no pé, nem podia caminhar, estava com uns sete ou oito anos. A mãe estava meio adoentada e tinha sido marcada a trilha. Vieram os vizinhos tio Valdomiro e Albino para ajudar e a tia Iria veio ajudar a fazer comida para os trabalhadores. Eu chorava desesperadamente que queria ver a trilhadeira até que um anjo, a tia Iria, me pegou no colo e levou até atrás das bananeiras de onde se via a lavoura onde o trigo estava sendo trilhado.

É por isso que eu acredito em anjos, sempre vivi cercado deles…

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Erva milagrosa

Todas as épocas tem suas plantas e remédios milagrosos. Eu mesmo sou testemunha e prova de que elas existem e a minha vida dependeu em algum momento delas. Começarei com o milagre de minha vida. Imaginem um piazito magricelo e raquítico com um ano e meio pesando menos de 10 quilogramas, dengoso e que se alimentava mal. Vivia perambulando por aí procurando problemas até que um dia foi cortar uma varinha e se encontrou com o senhor escorpião, tudo colaborava com a hipótese geral que ele não resistiria a picada pelo seu tamanho e histórico. No entanto, sempre tem um no entanto, um mago, o vovô Bôrtolo, que tinha em casa sempre prontas poções mágicas de uso geral fazendo uso de poção de álcool com Guaçatonga(ou guaxatumba) e álcool com Guiné, conseguiu a façanha de manter vivo o piá. Não sei se foi uma boa ideia porque mais tarde ele daria muito trabalho em função da rebeldia. Acho que o único efeito que permaneceu foi que até hoje ele é meio jiribiado ou fora-da-casinha com querem alguns. Assim se pode dizer que a primeira erva milagrosa que contribuiu para minha vida foram duas: a guaçatonga e o guiné, o álcool era apenas um coadjuvante. Putz! Esta foi forte, a primeira foram duas…

Depois, muito, mas muito mais tarde, não é que eu resolvi estudar biologia.Lá tinha um professor o padre Clemente Stefens que estudava plantas medicinais. Mas antes muito antes disso tinha os raizeiros e curandeiros costuradores de costelas e um monte de seres milagrosos, que de uma ou outra forma usavam plantas milagrosas para realizar seus prodígios. Vai ser meio difícil falar na ordem cronológica, mas vamos lá. Vou começar pelo seu Nézio, pelo que me consta era arquiteto e bioquímico argentino que veio fugido para o Brasil, totalmente louco. Acreditava em Deus, nos Anjos, nas Anjas, nos Santos e nas Santas. Tinha casa onde moravam a esposa e filhos mas ele vivia no mato onde tinha umas cascas escoradas numa árvore onde dormia com meia duzia de cachorros. Com ele aprendi muito de ervas medicinais, ele vinha lá em casa e ficava colecionando um galho de cada planta dizendo sempre isso é remédio… e desfiava uma lista de usos da tal planta. Isso também é remédio e catava um galho de outra e lá vinha a lista de mais uma duzia de curas milagrosas possíveis. Terminava o dia com um feixe de ervas milagrosas. Se tinha mais gente aí ele se arriscava a fazer previsão do tempo, levantava o dedo para o alto pedindo silencio absoluto e depois deitava no chão com o ouvido direito colado na terra para ouvir o tropel dos cavalos celestes.Depois fazia as previsões de quanto choveria, de que lado viria a chuva e quando. E chupava limão como se fosse bergamota. Mas este é outro assunto.

Por falar em louco tinha o Mimoso louco (Mozo), uma versão local do véio do saco. Que também vivia no mato com toda a família e milagrosamente nunca adoecia. Ele chegava lá em casa e beijava os santos, o Sagrado coração de Jesus e de Maria, e depois ficava falando das ervas boas para comer, um precursor dos estudiosos das PANCs. Não tinha erva milagrosa, acreditava em tudo e em todas. Já o Florinal, que era domador e acreditava somente em Deus Nosso Senhor mas tinha um quadro de são Jorge, o padroeiro dos cavaleiros, tinha sua erva milagrosa o mentruz ou mastruço que usava para as machucaduras dos tombos de cavalo. E a figueirilha que curava todos os males quando fumada no palheiro. Tinha a dona Ambrozina e a dona Leila que benzia e acreditava na arruda. A Loca (Jandaraira) irmã da Branca (Dejanira)que acreditava no alecrim e na tansagem. E por aí vai…

O segundo milagre de erva que aconteceu comigo foi quando tive um principio de tétano por ter cravado um prego enferrujado no pé. Já tinha uns sete anos, mas continuava magricelo e feio. (Hoje sou bonito porque dizem que crianças feiinhas ficam adultos bonitos.) Ai fui salvo pela quina-do-mato que acabou com a minha febre. Cheguei a ficar mais de uma semana delirando na cama.

Agora só vou falar das que me tocaram diretamente ou indiretamente, senão fico três dias escrevendo. Acho que o próximo foi o agrião com mel. Agrião a gente buscava na fontinha do potreiro do seu Pedro, aí a mãe fazia um xarope com mel para os problemas respiratórios e resfriados de inverno. Nesta época eu já estava mais resistente, abri um dedo pelo meio, que tenho cicatriz até hoje e não infeccionou, apesar da sujeira. Isto é outra história. No entanto eu continuava magricelo até que a mãe fez o famoso xarope de caruru com vinho. Uns dizem que foi o vinho mas eu juro que foi o caruru, me abriu o apetite e comecei a crescer. Mas nessa época tudo andava de ônibus ou carroça e a comunicação era por carta por isso as plantas milagrosas duravam bastante tempo na sociedade.

Depois vieram a cancorosa, que fazia milagres no estômago, a losna que curava qualquer dor de cabeça, o Ipê-roxo, que curava até câncer, o Confrei, o iodo vegetal, o alecrim voltou, Mas aí veio o telefone e acelerou os processos. Com a internet tudo ficou a jato. Acho que o primeiro desta era foi a farinha de folha de mandioqueira, um superalimento capaz de debelar a fome no país, mas era barato e aí não pegou. veio então o gergelim, uma maravilha de alimédio, isto mesmo alimento remédio, e aí começou a fase dos complementos alimentares. As próximas foram as sementes andinas, aranto, amaranto, as raízes, como a farinha de maca peruana (nabo selvagem para nós, só que este é daqui e por isso não é bom). Neste meio tempo devo ter esquecido uma meia duzia de milagreiros.

Aí vieram as cápsulas, uma maravilha em doses calculadas, pesadas, dosadas e cobradas. Tudo em nome da saúde e da beleza. Remédios que vão e vem de acordo com a dança do mercado. Como por exemplo a pholia-magra em capsulas, importada de não sei onde. Sabem o que é? Guaçatonga ou chá-de-bugre, mas estes dois não tem o mesmo charme. Ou as maravilhosas cápsulas de cenales importado do México, uma das variedades da nossa tansagem. E por aí vai…

Resolvi pesquisar desde quando vem esta febre e para minha surpresa a primeira planta milagrosa considerada na história teve seu auge nos anos 60, isto mesmo nos anos 60 dC, na época de Julio Cesar Imperador Romano. Foi o Sílfio uma planta milagrosa que tinha propriedades desde como afrodisíaco até anticonceptivo, valia mais do que ouro o que levou a planta a ser considerada extinta a partir do ano de 68 dC.

É claro que muito antes disso as plantas curavam e temos vários relatos na Bíblia, mas a deusificação de uma planta começou com o sílfio e vai continuar enquanto houver humanidade…

Existe uma crença entre os bios que: tudo o que precisas para tua alimentação e saúde cresce a menos de cem quilômetros de tua casa.

PS.: Para os que tem medo do comunismo cuidado, a moringa oleifera foi difundida a partir de Cuba.

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A água que brincava com a gente

Na caixa d’água se juntavam as águas dos arroios do Papagaio e do Moinho. As do Papagaio corriam fora do leito por aproximadamente 800 metros e raramente transbordavam no ladrão, mas as do Moinho sempre tinham grandes histórias para contar. Perto da ponte da estrada do seu Fassini já se separavam em dois grupos, a mais selvagem não se sujeitava a barragem e saltava por cima para poder alimentar as cachoeiras, era a mais barulhenta mas não a mais curiosa. A água mais dócil era a mais curiosa e divertida, saia do leito do rio e andava mansamente por uns 250 metros até a caixa d’água, mas no caminho tinha muitas tarefas a cumprir, em especial nos últimos 50 metros onde aquela mais curiosa se espremia numa bica de madeira para cair no tanque onde as tias lavavam a roupa, certamente esta tinha muitas histórias para contar para suas irmãs que tomavam outros caminhos. Ficava quietinha no tanque ouvindo as fofocas e as histórias de tudo o que acontecia na vila e quando não servia para esta fim pulava pra outra bica e ia até o banheiro. Esta era a água curiosa, mas não era a mais sapeca, a mais sapeca seguia uns 10 metros adiante até o ladrão. Não! Não é o que vocês estão pensando, o ladrão era uma espécie de controlador de nível da caixa d’água, quando ela vinha em excesso dava um jeito de saltar por aí. A outra água ia até a caixa onde se juntava com a do Papagaio para se jogar cano abaixo juntando todas as forças para fazer a turbina girar e produzir a eletricidade da vila. Vou falar disso qualquer dia. Hoje é dia de falar da do ladrão.

No ladrão, perto do monte de serragem, era um lugar de brincar com a água ou dela brincar com a gente. A água do ladrão gostava de ver a gente ser xingado, ela molhava nossas roupas, fazia barro para nos sujar, quando era mais frio nos provocava resfriando e aí nossos pais reclamavam e ela ia embora dando risada. Ah! Ela adorava respingar tudo movimentando as rodas d’água. Nossas rodas d’água eram feitas com uma simplicidade franciscana, um tarugo quadrado de madeira com quatro tabuinhas pregadas e dois pregos na ponta servindo de eixo. E tinha o moinho do Catarino, mas este era uma coisa a parte. Também era culpa da água do ladrão as broncas que a gente levava do vô por pegar as ferramentas dele.

A carpintaria do vovô era um verdadeiro santuário para um bichinho carpinteiro como eu, lá eu me sentia no paraíso, mas quando ele estava trabalhando a gente não podia entrar e quando ele não estava a carpintaria ficava fechada. Eu sei! Vocês estão dizendo: Como é que você sabe disso se não se entrava lá? Bem, é que para fazer as rodas d’água a gente precisava de ferramentas, a mais usada era o serrote de costas, um serrote que vivia sempre afiado que é uma navalha. E a calha de cortar em ângulo, uma calha de madeira com fendas em diversos ângulos e no esquadro para fazer esquadrias. O serrote de costas era usado porque ficava sempre reto, era firme, e a calha guiava o corte. Então a gente pegava uma ripa quadrada e cortava o corpo da roda e depois uma mais fina e fazia as quatro tabuinhas, as pás da roda, e pragava em sequência pronto estava feita a roda d’água. na calha também tinha umas marcações para a gente cortar todas do mesmo tamanho sem precisar medir. No entanto acho que a água gostava mais era do moinho do Catarino. Nesta o principio motor era uma roda como outra qualquer, com uma diferença, o corpo (eixo) da roda era mais longo e arredondado. nele passava a correia que tocava outros eixos e polias com engrenagens de dentes de prego e furos, uma traquitana digna de um engenheiro moderno. A engenhoca ficava longe da água e este distanciamento era dado pela correia, só que a gente não tinha correia. Mais um motivo pra bronca, a gente usava a correia do rebolo do vô.

O rebolo do vô Bortolo era uma maquina digna de nota. Ele precisava das ferramentas sempre afiadas e afiava também as facas da cozinha e dos vizinhos. Algum tempo mais tarde esta tarefa na vila passou para o tio Anjo, mas isso é outra história. O rebolo tinha um pedal que tocava uma roda grande, esta por sua vez tinha uma correia que ia até o eixo do rebolo onde tinha uma roda pequena então o rebolo funcionava com grande velocidade dando melhor fio nas ferramentas em menor tempo, sem contar que o afiador ficava com as duas mãos livres para segurar a ferramenta. Não era como aqueles rebolos que a gente tocava a manivela com uma mão e segurava a ferramenta com a outra. Só que as vezes a correia fugia e ia brincar com as crianças no moinho do ladrão. Como acontecia isso? Fácil! O Catarino levantava o carpinteiro até a altura da janelinha de trás da carpintaria ele se agarrava na bancada de carpinteiro e de lá pulava pro chão ia até o rebolo e tirava a correia. Depois usava a caixa de ferramentas como degrau, subia na bancada e descia da janela ajudado pelo usuário da correia emprestada. E lá ia todo mundo ver o moinho funcionar.

Para aqueles que não conheceram as maravilhas do moinho aqui vai uma pálida ideia da diferença das rodas d’água convencionais e do moinho. Só que no moinho a correia também mudava de ângulo os eixos, tinha até eixo na vertical imitando as pedras do moinho de verdade. Mais uma história para contar.

Só o que eu não lembro é porque a gente lavava tanta bronca e eu nunca apanhava, quase sempre o rabo-de-bugiu sobrava para outro. E a correia voltava pro seu serviço original, que, convenhamos, era muito mais chato.

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A ‘bestia’ – finalmente!

Fazer Açúcar para mim tem duas etapas bem distintas uma vai até o ano de 1958 e a outra começa no inverno de 1959. Perguntarão porque no inverno? Bem! São várias as razões porque se faz açúcar no inverno, vou tentar fazer um apanhado científico dos motivos. O primeiro é que a cana já está madura e em especial depois que começa a gear ela fica mais doce, mais doces estão também as frutas, e muitas vezes elas entram na composição das delicias feitas no tacho. Ah! E mandioca também descasca melhor. Péra aí! o que faz a mandioca no tacho?

Vamos por partes, a mandioca mansa, que agora na cidade se chama de aipim, a outra é a mandioca brava que é venenosa, só pode ser comida como farinha. Bem! A mandioca mansa é excelente para comer com carne, engrossar uma sopa, comer frita, fazer bolinho frito, simplesmente comer cozida na água e sal ou para fazer chimia. Mas tem um grande problema uma vez arrancada ela se oxida muito rapidamente, fica com uns veios escuros esverdeados, logo não dá pra comer se ficar arrancada mais que dois dias. Aí surgiram as técnicas de conservação: A Catia me faz descascar toda, quando o o Laudelino traz, e a gente pica em pedaços e congela para cozinhar ou racha, tira o pavio e corta em cubinhos para engrossar o caldo da sopa ou fazer molho com carne. Mas e quando não tinha geladeira nem freezer? Os ‘brezocoli’, como os gringos chamavam os nativos ancestrais da Vila, tinham uma técnica especial, eles enterravam a mandioca aí ela não oxidava. e quando precisassem uma raiz iam lá e cavocavam. Mas foi no Canadá que vi a técnica mais sofisticada, mandioca não dá no Canadá, mas como tem muito estrangeiro que gosta da dita cuja eles acharam um jeito de importar sem congelar e sem oxidar. Vamos lá! O processo é simples. Se arranca a mandioca e tomando o maior cuidado para não machucar ela é lavada e secada a frio depois mergulhada numa vasilha com parafina derretida, a parafina lacra todas as possíveis entradas de oxigênio e pronto. A mandioca pode ser transportada e dura alguns meses.

E aí? Porque entrou a mandioca na história? É porque umas das chimias preferidas da minha infância era a de laranja com mandioca. talvez não fosse para comer mas com certeza era a preferida de fazer. Por isso terei que detalhar todo o método.

A gente levantava cedinho. Bem! Não tão cedinho. Os adultos já tinham levantado e começado o fogo e preparado os bois para puxar o engenho e moer a cana. Já levantava uma fumacinha dos tachos recém lavados que estavam secando no fogo. O nosso primeiro serviço era tocar os bois enquanto um adulto cevava o engenho e outro levava os baldes de guarapa para por nos tachos. O líquido era coado com um saquinho de algodão e fazia tchchchchchch quando caia no tacho aquecido. Quando os tachos já estavam cheios e começava a evaporar a água se formava uma espuma que tinha que ser tirada com a espumadeira para que o açúcar ficasse mais branco era a ‘peidorada’ até hoje não sei o porque do nome só sei que a gente lambia a segunda, a primeira tinha gosto ruim. Se fosse para fazer açúcar era só seguir os passos até ficar puxa-puxa, formar o cristal que quebrava e depois esfriar. Mas fazer chimia tinha mais algumas etapas.

No caso da da mandioca com laranja, a mandioca era posta a cozinhar na guarapa. Depois, quando ficava mole, a gente tirava com a espumadeira, esmagava e ia tirando os pavios. As laranjas, um baita cesto de taquara era colhido pelos adultos e depois perto dos tachos a mãe e as tias iam descascando e colocando numa baita bacia ou gamela e aí vinha mais uma etapa de participação das crianças. Como as laranjas tinham muita semente, e não dava pra tirar depois como os fiapos da mandioca, o jeito era ir cortando a laranja em tampos, tomando o cuidado de não cortar as sementes. O nosso serviço agora era tocar a manivela da máquina de moer carne que se usava para moer as laranjas com bagaço e tudo. Agora certamente algum nutricionista diria os alvéolos, as fibras e a pectina. Bem não interessa o nome o que interessa era que ficava muito gostoso, uma chimia pedaçuda e não enjoativa.

Eu ia me esquecendo! a criançada fazia fila para ajudar, pois para quem estava ajudando sempre sobravam finalmente as “bestia” para chupar. “Bestia?” eu acho que quem tem 65 ou mais anos deve saber do que se trata.

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Tardes no paiol (galpão)

Em dias de tempo meio enfarruscado como hoje, e nos dias que a chuvinha primaveril não pára o dia todo, para o trabalhador da terra é quase feriado e cada um aproveita o dia da melhor forma possível. O tio Lino gostava de aproveitar para dormir, mas a gurizada ia pro galpão separar o milho, porque era preciso organizar o que ainda tinha da colheita para durar até vir o milho novo. As espigas bem fechadas e maiores iam para um canto enquanto os restolhos e as abertas para o outro lado. Os restolhos eram as pequenas, granadas pela metade, e as abertas, aquelas que a espiga ia além da palha, corriam oi risco de carunchar por isso tinham que ser usadas primeiro. Assim o dia de trabalho também era um dia de diversão, porque ao mexer na montanha de milho se desacomodava os ratos que tinham entrado no paiol e a cachorrada ficava atenta a qualquer movimento para iniciar a caçada. Tem tanta história relacionada a isso que dava pra escrever um livro com uma centena de capítulos. A separação do milho, a descascação, brincar sobre, as máquinas de debulhar, o ‘sventolon’, as brigas, as casinhas de sabugo, a preparação do milho de semente (sim já naquela época se fazia seleção genética), desfiar palha para os colchões (paion), tirar palhas mais finas para os palheiros, Nossa! Acho que dava dois livros. Talvez um dia meus leitores me incentivem a escrever sobre isso.

Hoje vou recordar apenas dois episódios, de ainda quando morávamos na vila, um deles tenho uma vaga lembrança e recordo de apenas uns detalhes era a competição de quem descascava mais milho. Já sei! Alguém vai dizer isso é moleza, mas não é bem assim e principalmente quando os competidores eram o Catarino e o tio Argemiro.

O galpão do vovô ficava atras do moinho, entre a estrada que descia pra gruta e pro tanque e a estrada que ia para o chiqueirão dos porcos, e pros pés de araticum, e pra fonte de buscar água, aquela que agora a água desce para a gruta. Tá aí outra história o encanamento da fonte, mas não é o propósito de hoje. Outra forma de descrever seria o galpão que ficava depois da horta, e que tinha depois os tachos, e o engenho de moer cana e a ponte da serragem, perto de onde fui picado pelo escorpião, a história da tia malvada. Quem lembra de brincar na serragem? E das rodas d’água no ladrão da valeta? Nossa mais histórias! Acho que vou parar de trabalhar só pra ficar contando histórias. E a competição?

Vamos lá então! O galpão não tinha forro e por isso as tesouras do telhado ficavam aparecendo. Não! Eles não subiam nas tesouras para descascar milho. O que eu não me lembro é como eles faziam para ficarem dependurados pelas pernas, com a cabeça quase encostando no milho e aí um juiz, que não me lembro quem era, dava o Vai! e eles começavam a descascar milho de cabeça para baixo e depois de um tempo o juiz contava as espigas e declarava o vencedor. Nossa! Fiz tudo esta enrolação pra contar isso… Bem! mas eu lembro que do meu lado tinha o Léo. Esta é a outra história só que essa aconteceu num dia de sol. Estávamos os dois no paiol quando de repente o Léo disse que estava morto. Tentem imaginar qual foi o meu desespero, pois eu tinha medo de morrer desde a picada do escorpião, que podem ler acima. Caído deitado sobre as espigas de milho e eu desesperado, levantava um braço e o braço desmoronava, puxava uma perna e nada, sacudia, tentava abrir os olhos dele e estavam virados. Chamava gritava e nada, simplesmente eu também começava a ficar paralisado de medo, cheguei a pensar em chamar alguém, mas não tinha coragem de deixá-lo lá. Sacudia a cabeça dele, puxava o topete e ele não reagia tentei até fazer cócegas mas nada aconteceu. Aí ei peguei uma espiga de milho das grandes e bati na cabeça dele. Pois e não é que o morto ressuscitou e me deu uma das maiores surras que levei na minha vida. Só não foi maior porque uma das tias ouviu meus gritos e acudiu.

Quem sabe dizer o que era chupar a ‘bestia’ quando a gente fazia chimia? Mais uma história…

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A tafona e a mandioca

Esta história poderia ter uns quatro ou cinco títulos diferentes como “O facão e o fumo bravo”, “A mandioca e a azedinha”, “O polvilho e o biju”, “Chegar é fácil sair nem tanto”, dependendo do ponto de vista do narrador. Vou falar do meu, e da tafona do seu Facin (Fassini) que conheci quase no final de sua atividade, depois veio a do seu Artur, esta muitos conheceram. Os métodos de trabalhar nas duas era muito semelhante só que a do seu Fassini tinha uma característica muito peculiar, para chegar com uma carroçada de mandioca lá era muito fácil, para sair com um ou dois sacos de farinha era difícil, precisava duas juntas de bois na carroça. Vocês deves estar se perguntando porque. Primeiro vou falar da localização.

Do lado esquerdo do rio, na gruta, onde os rios se juntam. Isso mesmo, bem aí onde tem os banheiros, começava a valeta que levava água para a roda d’água da tafona, a valeta seguia em nível até a direção da curva do rio e depois tinha uma calha que ia até a roda que ficava quase na embocadura do arroio que vinha de lá dos Pegoraro. A estrada de acesso passava ao lado da casa do seu Ângelo e dona Olinda Fassini e despencava uns 40 metros em menos de 200 metros de percurso. Descer era moleza, sair de lá, tinha que pedir ajuda a Deus, ao Anjo, ao Santo e umas duas juntas de bois. Por favor não interpretem mal, Deus e os bois são criador e criaturas, logo não há nada de mal colocá-los juntos, o Anjo, também conhecido como Ângelo era o ser criativo que inventou uma especie de catraca para evitar que a carroça voltasse quando os bois tinham que dar uma descansada. O artefato funcionava ao contrário da travas dos carros de lomba, apontava para o chão e impedia a carruagem de voltar. O Santo (se não me engano faleceu recentemente) é claro era um dos carroceiros que tinha uma junta de bois excelente e era atrelada na ponta para fazer uma força extra.

Nesta época eu ainda morava no casarão do vovô na vila e os mandiocais eram nas terras que mais tarde seriam do Santo Trentin e do Tio Luis, quase em frente a morada do seu Peixoto, onde fui morar depois dos sete anos. A arrancação da mandioca era algo extraordinário, os adultos iam na frente arrancando os pés de mandioca e a criançada ia atrás com uma enxadinha tirando as raízes que ficavam na terra. Como a Mandioca era de dois anos crescia no meio dela o “fumo bravo” que davam três galhos numa forquilha bem exata a uns 80 centímetros do chão. Eles eram perfeitos para uma brincadeira. A gente se pendurava, uma criança em cada galho e o tio Anjo vinha com o facão e numa faconada certeira derrubava a arvoreta para ver para que lado caía. Como eu era pequeno quase sempre caia por cima dos outros. Quem se lembra desta brincadeira? Também por ficar dois anos parada a terra dava tempo das azedinhas, que cresciam pelo meio, darem batata, uma espécie de cenourinha branca quase transparente e doce, a gente limpava a terra e comia. Mas isso é assunto pra outra história.

Daí as raízes da mandioca-brava, aquela chamada prata, que a casca das raízes era branca e que grudava pouca terra iam para a carroça e com ela até a tafona. Lá uma série de mecanismos lavavam, tiravam a casca coriácea superficial, depois ralavam transformando tudo numa pasta, aí entravam as crianças de novo. A gente enchia um saquinho de algodão com aquela pasta e ia lavar no tanque do polvilho, lavava até sair toda a água branca e devolvia a pasta pro tanque que depois ia pro forno para secar.

Mas o que tinha de bom mesmo era o carolo torradinho, o carolo era o que sobrava na peneira da farinha, quase todo formado de fibras do pavio da mandioca e de pedaços de casca quebrados maiores e torrados, normalmente era usado pra alimentar animais. Mas a gente escolhia os mais gordinhos, os pedaços de casca torrados e comia com açúcar mascavo ou até mesmo puro. Era uma espécie de sucrilhos de antigamente. E tinha também o biju, era feito da pasta de mandioca moída com um pouco de açúcar e torrado numa frigideira untada de banha. O meu problema atual é que não consigo mais lembrar o que era mais gostoso dos dois. O certo é que só de pensar me dá água na boca.

Mais tarde os Oliveira também instalaram uma tafona, com um monte de tecnologias a mais. Isto significa que daí devem vir mais uma meia duzia de histórias. E por falar em Oliveira, tem uma história da vó Balbina que assombrou o tio Neni, quando ele ia ver a namorada…

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Medo e mistério

Começava o ano de 1967, se não me engano era dia primeiro de fevereiro. Eu estava de férias do seminário passando uns dias em casa. Sempre a gente tinha bastante coisa pra fazer mas na quarta feira terminava tudo mais cedo para poder fazer uma atividade social. Antigamente as quartas feiras era dia de CTG história já contada mas nesta época a gente começava a fazer as primeiras reuniões de jovens na Vila. Por isso eu terminei minhas tarefas mais cedo para aproveitar ao máximo a reunião onde iria contar algumas das muitas coisas aprendidas durante o ano, e rever a primaiada.

Saí de casa pelas seis e meia e nem peguei lanterna, contava com a lua que recém tinha sido cheia, eu iria com com a luz do ocaso e voltaria com a da lua. O que eu não contava era que o por do sol, que acontecera a alguns minutos, já não iluminava muita coisa e quando peguei o “direitão do tio Luis” estava escuro pra caramba. O direitão ficava logo depois da porteira e tinha à esquerda o “matinho do tio Luis” a direita um milharal e mais abaixo o banhadinho, a estrada ficava quase como uma picada. De um lado o mato, de outro o milharal alto, nas minhas costas um restinho de luz do ocaso e na minha frente escuridão total. Bem não era tão total assim, pois pude ver uma bola luminosa que descia a “subidinha do camboatã dos Oliveira” perto da casa atual do Dimas, e vinha em minha direção.

Como meus leitores já devem ter percebido eu sempre demonstrei coragem, mesmo que me borrasse todo. E aí começou meu drama psicológico. Estava ainda bem perto de casa e a bola vinha devagar, eu poderia correr e chegar em casa antes dela me alcançar. Mas o que ia dizer? Correr de uma assombraçãozinha fajuta. E se não fosse um assombro? Também tinha a questão de virar as costas pro ser de outro mundo que vinha, isso também era perigoso, o ser poderia acelerar e me alcançar facilmente. Decidi que iria sair do trilho e ficar do lado do milharal, qualquer coisa eu me enfiava nele. Só que tinha outro problema eu já tinha visto no verão algumas vezes a cobra de fogo, que hoje não me assusta mais pois sei que é um fogo fátuo, que aparecia no banhadinho que ficava depois da roça de milho.

A bola continuava em minha direção, flutuando a um metro do chão mais ou menos, e vinha pelo trilho do lado do mato. Menos mal eu estava no do lado do milho. A distância diminuía, agora já estava a uns setenta metros e eu estava tremendo. Comecei a caminhar mais devagar e a distância ia diminuindo. Bem! Pensei, se não acontecer nada até enfrentar a bola assim que cruzar ela largo a toda a velocidade até a vila e lá acho alguém para me acompanhar de volta. Quarenta metros e eu quase parado e a bola vinha, parece que ficava maior. Já estava caminhando na ponta dos pés pra não fazer barulho e quase no barranco da estrada pra passar o mais longe possível do assombro. Trinta metros! Vinte e cinco! Meu coração quase saindo pela boca e a bola não parava. Quinze! Dez! Cinco metros, foi quando pensei comigo: -É agora! Dispara correndo. Mas as pernas não se mexeram… Agonia total e a bola flutuando compassadamente em minha direção. E de repente o encanto se quebrou.
– Boa noite Seu! Reconhecia voz da dona Balbina que ia entregar uma trouxa de roupa para seu Donato. Ela carregava na cabeça uma enorme trouxa de roupas enrolada num lençol branco.

Espero que esta me ajude a escrever outras pois sei que ela assombrava muita gente, mas era um amor de velhinha.

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O foguinho encantado da aroeira

Depois de penar por muitos anos jogando no banhado, o Ipiranga ganhou um campo patrolado. Não! não estou falando daquele do alto do morro, mas da época que foi patrolada a praça que se transformou em campo de futebol. Que belo tempo! Os que jogavam ocupavam o campinho da praça, ao norte atrás da goleira ficava o Bar do seu Vito, ao leste bem no cantinho, o salão de baile, que depois foi a casa da tia Santina, ao sul ficava o capim e no oeste a escola, a igreja e o timbozal. Que sombra boa!

A gente rezava o terço e depois os que jogavam iam pro campo e os outros ficavam olhando o jogo da sombra. E os maiores jogando prenda ou a criançada brincando nas tábuas da copa. Foi num destes domingos que conheci a Elenir Antunes. Num destes domingos cheios de atividade também, para fazer desfeita a uma menina da vila, me armei de toda a coragem que um tímido como eu pode arranjar e fui me misturar à torcida dos visitantes, o time de Tiradentes, onde conheci e ganhei o endereço da Inês Justina Polleto. Na época não tinha internet, telefone, Whatsapp, Facebook… enfim, se morava longe o jeito era namorar por correspondência. Nem vou falar nas confusões deste namoro até porque ela tinha uma prima com o mesmo nome e as cartas foram parar na casa da outra. O meu objetivo é falar da coragem…

Então vamos lá, a gente ficava na vila té quase o anoitecer depois ia para casa, a pé é claro! A gente ficava espiando pra todos os lados de medo de qualquer barulhinho ou outro sinal, ainda mais que a região é bem conhecida pelas aparições de fantasmas. Foguinho, cavalo sem cabeça, cachorro preto, cobra de fogo no banhadinho do tio Luis, cobra com azas, isso era comum. Normalmente estas aparições eram muito rápidas que a gente não tinha tempo de ver direito, mas o foguinho da aroeira…

Só pra situar os atuais moradores, se tiverem interesse em verificar se ainda ocorre o fenômeno. O foguinho aparecia na aroeira que tinha atrás da escola, no matinho onde a gurizada ia fazer xixi no final do recreio. No fundo do terreno da escola Roque Gonzales tinha uma patente com setor masculino e feminino, só que os guris não usavam. Quase atrás da patente tinha a famosa aroeira, nem de dia a gente ia muito perto, ela ficava quase onde é hoje a casa do Gaspar. Creio que o ano era 1962, recém tinha sido construída a Brizoleta, escola com duas salas de aula, a praça tinha sido aplainada com patrola o que fez com que o barranco da rua ficasse mais alto. Como eu era baixinho ficava quase na altura dos olhos. O que possibilitou para a criançada ver o foguinho, que antes ninguém sabia de sua existência. Ao cair da tarde, quando a gente vinha da rua que hoje passa em frente ao armazém do Mauri e dobrava para o lado da igreja, tinha em frente, ao lado da escola a aroeira contra o horizonte e a gente via um foguinho que cintilava. Só que este não era destes que a gente mal vê, se a gente ficasse parado o foguinho estava lá, podia chamar outras pessoas que também viam. Claro que a primeira vez que vimos quase morremos de medo e descemos correndo até o bar do Hércules para chamar algum adulto que pudesse nos acompanhar para casa.

Não lembro quem nos acompanhou, mas quando chegamos ao local a gente via o foguinho e os adultos não, foi aí que alguém teve a ideia de se abaixar. E não é que o foguinho tava lá! Bem no pé da aroeira. O corajoso disse que ia ver de perto mas para surpresa de todos os presentes quando a gente se aproximava o foguinho sumia. Assim a árvore que já tinha fama de causar alergia passou a ter um ar de mistério. Ninguém chegava muito perto dela em especial à noite. Muita gente viu o tal sinal misterioso até que lá por setembro desapareceu de vez. Mais tarde, numa segunda-feira de lua cheia, ou melhor na terça-feita a gurizada que ia fazer xixi no matinho achou a aroeira caída no meio de um baita buraco quadrado em degraus.

Alguns anos mais tarde consultei o Florinal e o Seu Chico Flores que eram especialistas em guardados de ouro mas não obtive nenhuma explicação lógica. No entanto a resposta mais plausível me foi dada pelo seu Domingos Lereno, especialista em triangulações. Segundo ele, verificando as direções e posições poderia ser o lampião da venda do seu Donato Rodrigues, onde hoje é a Santa Rosa, que ficava visível do local no inverno, pois a grande maioria das arvores do mato que impediam a visão eram timbós, que derrubam a folha nesta época. Infelizmente não foi mais possível confirmar a hipótese já que a aroeira já tinha apodrecido.

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A semente – Minha primeira colheita

Quem viveu na vila Trentin certamente algum dia comeu feijão cor-de-rosa, aquele que ficava com o caldo grosso e era muito gostoso. Creio que até hoje ainda há quem plante daquela espécie, no entanto talvez poucos saibam da origem, de como a espécie foi parar na vila.

Para contar a história temos que voltar ao caminhão do tio José, aquele da história dos pinhões. O tio trabalhava fazendo fretes de tudo quanto era lugar e numa destas andanças foi passar um fim de semana na casa do sogro, o vovô Bôrtolo. Aí, no domingo o povo aproveitou para ir de caminhão para a missa dominical em Jaboticaba. Até aí nada de novo, na carroceria do caminhão cabia todo mundo e na época não havia legislação que proibisse carregar gente desta forma. Mas acontece que uma das passageiras era a Bazelides, detalhista, curiosa e amante da natureza ela encontrou uma meia duzia de uns feijões desconhecidos, uns cor-de-rosa e outros rosa e branco listadinhos. Logo chegou setembro e ela com o maior zelo plantou os feijões mágicos num canteiro especialmente preparado na horta. Para surpresa de todos já em janeiro estava colhendo quase um quilograma. A tentação de comer foi grande, mas como na época as refeições eram comunitárias na casa da vó, a quantidade não daria uma cozinhada, logo era preciso multiplicar mais.

Para quem observa a natureza sabe que a multiplicação de feijões se faz por um fator de aproximadamente 60 para um no cedo e 40 para um no tarde, ou seja plantando aquela quantidade em setembro, daria quase um saco e em fevereiro, um pouco menos. Só que para os que conhecem a natureza sabem que esta multiplicação somente á possível duas vezes por ano, por isso não valia a pena esperar o fator maior. Assim os feijões foram plantados novamente em fevereiro.

O local escolhido para o plantio foi um pouco adiante do erval da tapera do compadre Orêncio, ele era compadre da mãe, pois ela foi escolhida para madrinha de uma das filhas dele, assim como o pai e a mãe eram também padrinhos do Jesuis da Matilde, irmã do seu Orêncio, do Lorêncio (Lora) e da Ambrosina esposa do Jango (Forquilha). Estas famílias já eram moradoras do local antes da chegada dos Trentin. Tudo bem um pouco de história não faz mal, mas eu queria falar dos feijões cor-de-rosa e o local escolhido foi um pouco adiante do erval, mais ou menos no local onde mais tarde o tio Osvaldo construiria a casa, a segunda casa, não a da história da taquara furada, logo abaixo de um grande umbuzeiro e acima da fonte.

N o fundo à esquerda da foto pode-se ver os pés de erva-mate jovens na tapera do seu Orêncio

Os feijões, como quase todas as sementes são mágicos e nasceram e cresceram maravilhosamente bem, claro que o tempo ajudou, mas isso é só um detalhe. Só que lá por maio, quase na época da colheita, quando parte das vagens já estavam secas e parte quase prontas, outros moradores antigos que estavam fazendo provisões para o inverno resolveram bater na roça de feijões da Bazilides. Uma grande comunidade de formigas saúvas resolveu limpar as folhas e vagens verdes, levaram até alguns feijões, mas não foi muita coisa. Elas queriam mesmo as vagens e folhas e os feijões secos ou ainda inchados (louros) ficaram abandonados no chão. Dava dó de ver!

Mas como os grãos já tinham sido catados um por um uma vez na carroceria do caminhão não custava fazer a operação de novo, só que desta vez a quantidade já era digamos umas 2.400 vezes maior, para uma pessoa isto seria um longo trabalho, mas para quem tinha irmãs, primas, filhos e sobrinhos isso era uma brincadeira. E assim foi feito.

Tudo o que eu contei até aqui, me foi contado agora passo a narrar minha experiencia. Estávamos no final do café da manhã na sala de jantar da vovó, tomando chá-de-mate com leite e comendo pão com chimia sob a supervisão da nona Rosa que dizia o tempo todo “bevi mato tosi” ela chamava o chá-de-mate de mato. (um dia vou contar as histórias do cafe da manhã). Eu disse estávamos porque o café da manhã era com toda a turma, pelo menos os da tia Rosa, os da tia Irene e nós, os da tia Bides. Não lembro que anunciou a brincadeira do dia, que era ir juntar feijões, mas lembro que um pouco depois a turma toda, acompanhada de varias tias e primas cada um com sua latinha desceu a lomba costeando o mato da caixa d’água da usina até o alto da cachoeira grande e depois subiu do outro lado até o feijoal. Curiosamente não consigo me lembrar de nenhum dos outros participantes só da Bena. Acho que é porque ela tinha uma latinha igual a minha, era uma latinha de talco para criança. Uma latinha quadrada que tinha de lata só o fundo e as laterais de papelão, acho que era azul e branca, e até, se não me engano era cortada ao meio, um com a parte de baixo e outro com a de cima.

Adultos e crianças cada um com sua lata de cocoras, caminhando que nem sapo e catando os feijões esparramados, quando se enchia a latinha se despejava numa lata maior e assim foram colhidas duas latas de feijão. Agora sim! Dava pra fazer uma cozinhada e guardar semente para o plantio na próxima safra. Esta foi a minha primeira participação ativa em colheita, antes, no máximo, tinha roubado algum moranguinho na horta da vovó. Também acho que foi a primeira vez que fui explorado com o tal “trabalho infantil”. No entanto devo confessar que foi prá lá de divertido e eu teria feito outras vezes, o problema é que os adultos da época eram muito criativos e sempre inventavam uma brincadeira nova para as crianças, como por exemplo descascar milho com o Catarino, tocar os bois no engenho de moer cana, carregar lenha, picar laranjas para a chimia… Xiii! Agora acho que fui longe demais além de trabalho infantil periculosidade…

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O bichinho carpinteiro

O que é um bichinho carpinteiro?
– A resposta tem que ser dada em etapas. Vamos começar pela evolução histórica. Muito antigamente quem tinha habilidades diferenciadas dos demais ou agia diferentemente era classificado como um possuído. Depois começaram a se diferenciar os bons dos maus, os bons eram os que participavam do nosso grupo e os maus, os outros. Assim surgiram os santos e os do outro lado. Na idade média quem fazia algo diferente, ou pensava diferente, era queimado e olha que até muitos católicos quase foram parar na fogueira por fazerem ou dizerem coisas que não eram aceitas pela maioria.

Os tempos mudaram mas o comportamento dos humanos muito pouco. Uma leitura de “O Alienista” de Machado de Assis pode ajudar a entender estes comportamentos.
Não pretendo aqui fazer um tratado sobre o comportamento humano nem psicologia, mas na minha época de criança quando alguém fazia algo diferente se dizia que tinha o diabinho no couro ou uma versão mais politicamente correta “Tinha o bichinho carpinteiro”. Atualmente as crianças são possuídas pela hiperatividade e certamente daqui alguns anos vai surgir uma nova denominação.

Vejamos resumidamente como foi a evolução:

Quadro evolutivo do problema simplificado

Bem! Agora que vocês sabem o que é o bicho carpinteiro vou contar o que isto faz na nossa história. É que algumas das minhas tias diziam que eu tinha o bicho carpinteiro e eu acho que herdei do vovô, ou por que outra razão ele chamaria a marcenaria de carpintaria?

A carpintaria do vovô que eu lembro bem, era aquela que ele instalou numa antiga casinha ao lado do casarão dos quartos, no caminho do pomar. Lembro bem de algumas ferramenta como o banco de carpinteiro, a serra de arco, como a que aparece nas imagens de São José, os formões, que ele não deixava que pegássemos, os enxós, o goivo e o plano que ele usava para alizar o interior das pipas, o serrote de costas e a calha com ângulos para fazer molduras, o rebolo com pedal que eu roubava a correia para o Catarino fazer moinhos nas rodas d’água do ladrão da valeta, as plainas e garlopas… Enfim um universo de sonho para qualquer carpinteiro da época. Hah! Ia me esquecendo dos trados e do arco de pua, e da moderníssima furadeira com “multíplica” de rotação de 4 vezes e meia que guardo com carinho até hoje. Mais tarde tinha outra que se podia trocar a manivela de um lado par outro e obter rotações diferentes, acho que esta ficou com o tio Miro.

Furadeira de alta rotação, uma maravilha para a época

Assim a carpintaria do vovô começou bem modesta, mas nem por isso ele deixou de fazer moveis magníficos, ainda temos na família um roupeiro, que ele fez para o casamento da mãe, e uma mesinha. Feitos exclusivamente com ferramentas manuais. depois a marcenaria evoluiu, mas nesta época eu já não morava mais no casarão, tínhamos nos mudado para a antiga morada do seu Peixoto. Mesmo assim continuei a admirar o trabalho dele, principalmente as inovações que ele era capaz, como o encosto inclinado para preparar sarrafos de pipas na plaina desempenadeira elétrica, já na Carpintaria Trentin Ltda. então comandada pelo tio Argemiro, onde ele acabou se acidentando e cortando dois dedos.

Sua criatividade não tinha limites, lembro até hoje do quadro negro da Escola Roque Gonzales, onde estudei, que foi pintado com tinta feita de cascas de jabuticaba.

Quando muitos lembram dele pela construção da usina, moinho e serraria, eu gosto de lembrar os detalhes como os que escrevi hoje e daqueles como o trado de furar taquaras para encanar água como na história da “taquara furada”. E muitas outras, como o cuidado com as plantas e árvores frutíferas, a caneca de tomar chá de mate com pão torrado. Comer pão com melancia, que gosto até hoje, bem como o gosto pela leitura – gosto não – paixão.

Por estas e outras é que tenho orgulho de ter herdado o bicho carpinteiro dele.

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A pitangueira

Pessoal os escritos em azul são links para mais histórias complementares. Para entender a história é bom lê-las.

Vamos começar pela história que conheço. Quando conheci “a pitangueira” ela já era adulta e eu era ainda uma criança. A minha primeira referência é que a pitangueira era tão alta que eu não alcançava nos galhos por isso dependia dos maiores como o Pascoal, o Catarino ou algum outro que se dignasse a alcançar algumas frutas ou a me puxar para cima onde ficava encarapitado nos galhos comendo até as pitangas amarelas, porque as vermelhas eram colhidas primeiro pelos maiores. Talvez poucos saibam mas ela nem sempre esteva ao lado da capela, ela ficava ao lado da casa queimada. Não! Ela não mudou de lugar. Na época não tinha capela, a nossa capela era na Esquina Boa Vista, hoje Boa Vista das Missões, o terreno, que hoje é da escola mais o da capela já estavam reservados desde a época que queimou a casa do Beppi e da Pierina, nosso parente filho do tio Jorge Trentin, irmão do Antério. Acho que pode ter sido ele que plantou, pois não tinha nenhuma pitangueira nas redondezas. Na época tinha a escola a antiga que tinha os cepos altos e criava tatuzinho em baixo do assoalho, recém construída, um gramadão, no final a pitangueira e depois a casa queimada. Esta era a referência para localizar a pitangueira. Fora dali só tinha pitangueira e cerejeiras lá pras bandas do seu Pedro e dos Cargnin, da gruta pára baixo. Como eu ainda não ia para a escola, tinha uns cinco ou seis anos, a pitangueira era somente uma referencia casual. Em 1959 nos mudamos para a morada nova, longe da vila e somente em 1961 comecei a frequentar a escola, já com 8 anos na época, aí é que começou a verdadeira história de amor pela pitangueira.

Nossa casa nova tendo em primeiro plano a Mãe, Bazilides, gravida da Luisa, e os três mosqueteiros o Léo, eu e o Leonildo.

Nesta época foi construída a capela, tendo como referência a pitangueira, do outro lado da casa queimada. Ah! e tinha também um poço, que depois foi aterrado para evitar algum acidente já que estava abandonado. Bem! Mas a construção da capela separou a pitangueira da escola, isso teve pelo menos duas consequências: a professora não podia nos controlar no recreio e a gente chegava atrasado na escola por não ouvir a sineta. Para nós, os lá de casa, os filhos do seu Tatão, o Verceli e o Jorge, os do seu Pedro, na época; Milvo, Minervino e Mauri e os Cargnin, Arcangelo e Domingos, mais tarde os do seu Julio Ferreira, e os do seu Alduino Casarin que morávamos daquele lado sempre possibilitava comer umas pitangas cedinho antes da aula.

Mas as verdadeiras história da pitangueira que as meninas se referem talvez sejam as que aconteciam durante o recreio ou depois do terço de domingo à tarde. Nesta época todos tínhamos tamanho suficiente para subir na árvore. Grande parte dos meninos formava dois times para jogar bola, um era o Pascoal mais um goleiro e um jogador, contra o resto. As meninas que ficavam sem pátio para brincar de roda, de caçador, de rico e pobre de maré. maré. maré ou outro brinquedo, e se fosse época de pitanga iam para a pitangueira atrás da igreja, a bem da verdade do lado, mas com relação a professora atrás. Aí elas subiam na pitangueira e algum moleque safado ficava em baixo tentando ver aquilo que não devia. Por isso uma tinha que ficar espantando “os piá”. É claro que muitas vezes ia todo mundo misturado e aí ninguém ligava pra isso. O problema é que quando tocava a campainha as vezes não se ouvia e aí vinha xingão e castigo para os atrasados. Depois a gente cresceu e a pitangueira também, pelos meus cálculos ela está com aproximadamente 65 anos, é claro! Ela deve ter nascido num ano abençoado como 1953, já que gosta tanto de história e histórias.

A pitangueira de minha infância

Obrigado tia Tarcila por me lembrar do Beppi e da Pierina, eu não lembrava mais dos nomes deles. Um dia destes temos que conversar sobre os jogos de prenda, para escrever mais alguma história da vila.

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A capelinha visita o Seu Generoso

Atualmente recebo em meus perfis no Facebook e no Whatsapp inúmeras visitas, em vídeo ou imagens piscantes, de Santos, Anjos Milagreiros e até o próprio Deus, que vem enviados por amigos, alguns que mal conheço. Devo confessar que nenhum deles me desperta nem um milésimo da emoção despertada pela capelinha de Nossa Senhora que visitava a família na minha infância. Até que nestes dias a Inezinha, sem imagens, sem luzes, sem musiquinha, sem milagres, ligou uma lembrança na minha memória “A visita da Capelinha na casa do Seu Generoso”. Ela visitava todas as casas, mas vou trabalhar com a dele por duas razões: veio da memória da Inezinha, que era um personagem local, e não tenho tempo para descrever todas, por isso é possível que alguns detalhes sejam de outras casas.

A tarefa da capelinha era visitar as famílias e permanecer um dia em cada casa. O roteiro da visita era quase sempre o mesmo, ela chegava ao cair da tarde e logo depois da janta a gente se reunia na casa com as famílias anteriores e posteriores à visita para rezar o terço. O terço dava uns 15 minutos desde o sinal da cruz inicial até o final, com isso podemos dizer que a oração formal era insignificante, não que eu esteja a desprezar a oração formal, mas é justamente para lembrar que ninguém vai a casa do vizinho, com a família toda para rezar 15 minutos, então porque a visita da capelinha era tão importante?

Esta era a capelinha nova.

A metodologia
O processo consistia em receber a capelinha num dia e levar a capelinha na casa do vizinho no dia seguinte, na casa onde estivesse a capelinha se rezava o terço depois do jantar. Cada capelinha tinha um grupo de mais ou menos trinta famílias ou, se o número fosse muito grande tinha duas capelinhas, como era o caso da Vila Trentin, a capela dos Três Mártires Riograndenses. Assim a visita da capelinha dava mais ou menos um mês.
A prática
No dia que a capelinha chegava na casa da família que antecedia a da gente, a gente ia no terço. No outro dia o terço era na casa da gente e no dia seguinte a gente ia na casa do próximo vizinho, assim sempre tinha três famílias reunidas a cada noite. Assim se provocava a presença de Deus entre nós de acordo com Mateus 18:20 “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” Isso valia para os adultos, porque para as crianças quem tinha que estar presente era o Anjo da Guarda.

A sequência próxima de casa era o Modesto Dalbianco, Seu Batistinha (Grilo), o Jango (Forquilha), a dona Leila, o Florianinho, lá em casa depois seu Luiz Moreira, o outro Jango (Mogango Branco), seu Generoso e tio Valdomiro e depois continuava. Depois que seu Luis Moreira foi embora, seu Jango saiu do grupo e nós levávamos lá no seu Generoso. PS1.: Entre parêntesis os apelidos, não havia bullying na época.
Como vários vizinhos não sabiam puxar o terço o pai e um de nós ia, muitas vezes, em muitas casas desde o Batistinha até seu Generoso. Vou relatar as minhas memórias de uma destas noites.

Os fatos e a história
Acho que era quarta-feira, sempre fica melhor um encontro no meio da semana, era janeiro ou fevereiro, tempo quente e seco e tinha lua cheia, ou melhor era o segundo ou terceiro dia da lua cheia, quando o início da noite é escuro e depois vem aquela lua maravilhosa para brincar ao luar. Eu estava no terceiro ano, aquele que tinha a caveira no livro, por isso eu não queria ir pro terceiro ano, um dia eu conto porque, então era o ano de 1961. O tio Valdomiro recém tinha se mudado para a antiga tapera da finada Balbina, aquela que assombrava os caminhantes noturnos, dela também tenho algumas história pra contar.
O caminho para ir la de casa até seu Generoso…
Primeiro um resumo da biografia do seu Generoso. Conheci ele ainda quando morávamos lá na vó, ele tinha feito uma cirurgia e precisava de cuidados então ficou uns tempos hospedado lá. Depois quando fomos morar na nossa morada ele ficou nosso vizinho, nesta época ele morava com uma senhora viúva que não lembro o nome, que tinha uma filha, a Otília, que chamávamos de “Lesma Coalhada” (nada de bullying) que tinha dois filhos o João e o Laureano. Quando a senhora faleceu, a Otília e os meninos foram embora e nunca mais soubemos deles. E o Seu Generoso ficou sozinho até que ele encontrou uma senhora viúva, lá pras bandas da Jaboticaba Velha e casou-se com ela dentro dos mais restritos ritos da Santa Madre Igreja. Trouxe para casa a esposa, a Alzira , a Delvíria e o Oscar para nossa alegria, mais crianças para brincar.
… ah! o caminho. Bem! O caminho que fazíamos para chegar lá era descer um pouco pela estrada da vila depois entravamos no potreiro do tio Luis atravessávamos a sanga e voilá, estávamos na casa dele. Para atravessar a sanga tinha uma pinguela feita com uma árvore de angico que caíra no barranco e cujos galhos foram parar do outro lado, o único inconveniente para as crianças é que o corrimão de taquara ficava meio alto, e de noite precisava uma iluminação, – Não! lanterna não tinha. Quando não tinha lua (luz do luar) o pai costumava levar um tição de lenha de angico ou camboatã bem acesso, aí quando sacudia ele o ar avivava as brasas dando uma luzinha mixuruca mas suficiente para não tropeçar e/ou para atravessar a pinguela em segurança. Os do tio Valdomiro não tinham pinguela pra atravessar mesmo assim precisavam luz para não tropeçar. O tio costumava vir com um lampiãozinho mas a gurizada vinha correndo. – Gurizada na época era o Cláudio, a Inês (Inezinha) e a Cecília, lá de casa o Léo, o Leonildo, a Luísa e eu. Naquele dia parece que foi combinado. Nós, lá de casa, resolvemos inovar na iluminação e pegamos um vidro acho que era de um remédio chamado Polyascorb, nome comercial para a vitamina C na época, e enchemos de vaga-lumes, daquelas sempre acesas, tinha os pirilampos, aqueles que ficam piscando mas não serviam para nosso propósito. Do outro lado os do tio Valdomiro fizeram a mesma coisa só não sei do que era o vidro. Os vaga-lumes até que davam uma luz interessante, só que quando ficavam parados apagavam a luz, acho que era pra não gastar energia, aí a gente sacudia o vidro e eles acendiam de novo. E assim chegamos à casa do seu Generoso.

Os adultos entraram e sentaram na sala para conversar e tomar chimarrão, as crianças, com os lampiões improvisados esperavam o despontar da lua. Começava uma lasquinha de luz no horizonte que ia brotando e crescendo, dava uns quatro minutos até ficar completa. Este era um tempo de meditação e contemplação, ficávamos todos em silencio, admirando aquela lua maravilhosa que despontava, uns minutos mais e tínhamos a luz do luar para brincar um pouco.
A brincadeira preferida era o esconde esconde que a luz do luar fica ainda mais emocionante porque qualquer sombra poderia ser um esconderijo. O ferrolho ficava bem visível, era um palanque de atar cavalo que ficava no centro do facho de luz do lampião que se projetava no gramado. Enquanto os adultos reunidos contavam causos e sorviam o chimarrão, as crianças corriam como loucos contando, se escondendo, batendo no ferrolho (ou seguro) para se salvar, tropeçando, caindo dando cabeçada, enfim sendo crianças.

Os adultos, conforme Mateus 18:20, reunidos com o intuito de rezar traziam para a sua companhia o próprio Filho de Deus, enquanto a criançada deveria ter uma centena de Anjos da guarda cuidando para não se quebrarem…

Depois a gente rezava o terço e ia para casa, e cansados dormíamos como anjinhos…

Para aqueles que gostam de relembrar como era o fim de tarde fiz uma cantiga de ninar para minha sobrinha com o tema. Foi gravada pelo Ernesto Piovesan, filho da Luisa. O link é para baixar o arquivo Dorme Isabela

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